sábado, 4 de junho de 2011

"Os incomodados que se mudem"?


Íamos almoçar no La Gália, ontem: pratos maravilhosos, música sempre boa, às vezes ao vivo. (Não adianta ter comida boa com música ruim, né? Li que o atual “melhor restaurante do mundo”, um dinamarquês, não tem música. Isso é aceitável, claro. Inda mais num internacionalíssimo que corre o risco de tocar o que algum estrangeiro detesta.)

Sentamos na varanda. Procurei a mesa mais distante da jovem família composta por pai, mãe e bebê, que estava junto à entrada. Pratos gauleses e bebês raramente são boa companhia uns para os outros.

Veio o cardápio e, enquanto líamos, percebi que o problema não seria a criança, mas a mãe. Começou a cantar, suavemente mas em alto e mau som, com voz nasalada, feliz como uma professora de maternal tentando animar a garotada. Ou como se estivesse em casa, dando papinha pro nenê. Que, claro, era exatamente o que ela estava fazendo.

“Maááá-riâna conta u-hu-hum!
Mariana conta um!
É um, é um, É um, é Ana
Viva Mariana! Viva Mariana!”

Foi-se a primeira colherada. O que é mesmo que estão tocando nas caixas de som do restaurante? Qualquer coisa que parecia muito bonita, nos intervalos da canção infantil, mas que era Impossível ouvir. O violão do Járis? Acho que era.

“Maááá-riãna conta do-ho-hôis
Mariana conta dois
É dois, é um, é dois, é Ana
Viva Mariana! Viva Mariana!”

A baby engoliu a segunda colherada.

Mááa-riaÃna conta TRE-e-êis
Mariana conta três
É três, é dois, é um, é dois, é três, é
Ana
Viva Mariana! Viva Mariana!

Mariana conta qua-a-trô”

Céus, até quanto ela vai contar?? Eu não conseguia me concentrar no cardápio.

Chegou um casal com outra criança e a mãe da Mariana se animou. Ela era a estrela, a grande atração da varanda, já que ninguém conseguia conversar e, portanto, todos olhavam para ela. “Olha, filhinha, outro nenê! Você viu? Um amiguinho!” Etc, etc, gushing all over the baby. Ai-ai... Pelo menos parou de cantar, o que já seria uma grande coisa se continuasse assim.

Mas não! Quando o outro casal entrou — não ficaram na varanda — a mãe da Mááá-riâ-na recomeçou a contar. A partir do “um”!

Arghh!! O pai, coitado, quieto. Será que não tem vontade de conversar um pouco com a mulher dele? Poxa, moça. Não dá pra ignorar o marido desse jeito! O que vejo de mães que esquecem de continuar sendo mulheres...

Decidimos ir embora. Ao passar pela mesa da jovem família, eu disse, cheia de reticências, à mãe do trio: “Ai, mocinha... viemos aqui por causa da boa música... Muito obrigada!”. E ela, ao se recuperar da surpresa, enquanto nos afastávamos pela rampa de madeira, disparou: ‘De nada! Tem muito restaurante por aí pra vocês irem!”

Todos os adeptos da máxima “os incomodados que se mudem” têm algo em comum: são incapazes de admitir que pisaram na bola.

Lembrei de um adolescente gordo que apareceu no Fantástico, numa matéria sobre problemas de convivência nos condomínios. O sujeito tocava bateria no quarto e incomodava a todos os vizinhos. Quando a repórter perguntou a ele: ”O que você gostaria de pedir aos outros moradores?” − evidentemente esperando ouvir “Desculpas”, o que ele disse foi: “Que comprem fones de ouvido!”.

Os adeptos de “os incomodados que se mudem” não são os mesmos que seguem a regra “a liberdade de cada um vai só até onde afeta a liberdade dos outros” − frase igualmente manjada, mas mais sensata, pelo menos para promover a convivência pacífica entre os humanos, que são naturalmente egoístas.

Almoçamos no Villagio Italia, também muito bom, ali do lado, onde até mesmo conseguimos comer javali. Não o stinco, que no La Gália é o melhor do mundo, mas um bom javali assado, com molho espesso, batatas, arroz e brócolis. Acompanhado por lindas canções tradicionais italianas da década de 1970: as melhores.

Eu gostaria de saber se a mãe da Mariana continuou cantando, incomodando os outros vizinhos de mesa, ou se criou vergonha. Nós pudemos ir embora, já que ainda não tínhamos feito os pedidos. Mas quem já estava no meio da refeição não tinha como escapar daquilo.

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