quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Na ARM, a arte é realmente para todos

O artista plástico Rodrigo Mendes começou a pintar aos 19 anos, depois de um acidente que o deixou tetraplégico. A atividade foi tão fundamental para superar suas limitações que ele resolveu dar a outros a mesma possibilidade.

No início, a Associação Rodrigo Mendes (ARM) era inteiramente voltada para deficientes físicos. Mas, depois de Rodrigo e sua mãe, Sonia, tomarem contato com a filosofia de inclusão social da UNESCO, transformou-se em espaço aberto a todos, para que haja convívio entre as diferenças.

A ARM começou no Brooklin, num sobradinho geminado, passou pela Granja Julieta e agora está em casa nova, próxima ao Morumbi. A escola tem transporte próprio, gratuito para os alunos: uma van batizada de Cuca (como na canção infantil, “a Cuca vem pegar”...).


Entrevista com Sonia Maria Hübner Mendes, coordenadora da ARM (2006)


Quando e por que surgiu a Associação Rodrigo Mendes?

Em meados de agosto de 1990, o Rodrigo sofreu um acidente e ficou tetraplégico. Todo o mundo dizia que ele ia ser um vegetal, viver deitado o resto da vida. Como mãe, era doloroso para mim, mas ao mesmo tempo eu tinha que ser forte, porque, senão, como ele iria ficar?

Depois de alguns meses, fomos a uma festa e lá um artista disse que ele poderia pintar com a boca. Era o Luis Carlos, o Luca. O Rodrigo começou a pintar e em setembro de 91 fizemos uma exposição em casa de um amigo. Nesse dia – foi um grande dia, uma noite mágica – ele me disse que queria fundar uma escola. Na época nem pensávamos em Associação. Eu era funcionária pública... Mas achei o máximo. Alugamos uma casa com o dinheiro da exposição. O Rodrigo tinha pintado 60 telas em três meses, vendeu tudo em 40 minutos.


A ARM começou como um curso?

Começou com o nome de Curso Rodrigo Mendes, com 10 alunos. O Luca ficou trabalhando na escola e foi sócio do Rodrigo durante dois anos. Em 1994 fundamos a Associação Rodrigo Mendes.

Nós estivemos em Cuba, o Rodrigo ficou lá trabalhando e fazendo fisioterapia. Quando voltou, fez sua quinta exposição individual. Foi aí que a gente criou a Associação. Percebemos que é difícil trabalhar com deficientes, porque eles têm necessidades especiais. Mesmo os de classe média não tem condições de pagar um curso de arte, porque gastam muito com os tratamentos. Por isso fundamos a Associação, para poder dar oportunidade para essas pessoas.


De onde vieram os primeiros alunos ?

Logo no começo da história o Rodrigo começou a aparecer na televisão e surgiram pessoas que queriam participar do projeto. Nossa idéia não era tratar a deficiência em si, mas dar às pessoas a possibilidade de trabalhar, como o Rodrigo. A Arte deu a ele outra visão, outro jeito de olhar a vida.

De certa forma nós fazemos um tratamento, sim, porque a Arte tem esse efeito terapêutico, mas não é o nosso foco.

Até 1995 só atendíamos deficientes. Mas o aluno vem para este espaço, tudo certinho e bonitinho, depois sai para a rua... e como faz para se integrar? Então, participando de um congresso no Rio de Janeiro sobre Diversidade, entramos em contato com a idéia de Inclusão Social, que já era adotada pela Unesco e é mais do que integração, simplesmente. Na inclusão, os dois lados, a sociedade e o deficiente, trabalham para se integrar.

Essa filosofia é bem perceptível, hoje. Em 95, quando o Rodrigo entrou para a (faculdade) Getulio Vargas, ele teve que se adaptar. Claro que ele contou com ajuda de todos e foi muito bem recebido, fez parte do Conselho da escola... Mas, naquela época, os deficientes tinham muitas dificuldades de acesso. As pessoas diziam: “Nossa, até quando ele vai agüentar?” Na primeira prova ele tirou 10. Agora está terminando o mestrado. Foi uma vitória. O Rodrigo é muito determinado.

Hoje a faculdade é toda adaptada, inclusive no auditório da GV tem uma rampa elétrica que não existia naquela época. Hoje, na GV ou em qualquer lugar, os deficientes têm mais facilidades.


Houve uma evolução na forma como o Brasil trata os deficientes?

Está melhorando, por causa da lei. Existe uma preocupação por parte das empresas, que têm que atender a lei. Isso é uma mudança de cultura. Uma das missões da ARM é promover essa mudança de cultura. O primeiro dificultador é o próprio deficiente. Se ele já nasceu com a deficiência, a família desde de cedo busca uma forma de atender a ele. Mas as pessoas que se tornam deficientes mais tarde têm dificuldade em se aceitar.

Eu não tenho dúvida de que o deficiente, no primeiro momento, tem que ter o apoio de alguém, para ele é uma barra muito grande.



Você acredita que os alunos recebem do Rodrigo uma certa força?

Sim acredito, acredito que é uma força que ele não vê. O Rodrigo ainda brinca, porque a deficiência dele é muito grave. Ele se compara ao Super Homem... (riso) Não é porque sou mãe dele, mas ele está em um outro patamar. Não me considero uma pessoas fraca, mas igual ao Rodrigo... é difícil.


Tem algum aluno daqui que se formou artista profissional?

Temos o Alberto, que manda seus quadros para o Japão, o Wilson e o João Batista.


E qual é o critério para a seleção dos alunos?

Buscamos alunos que tenham o perfil para a atividade artística. Às vezes as pessoas querem um lugar onde o filho tenha uma atividade, identificando-se ou não com ela. Nós buscamos identificação, para que se possa ter um resultado bom para o aluno.

Atendemos instituições como o Cotolengo, na Raposo Tavares, Estrela Nova, Meninos do Morumbi. Temos projetos fechados para atender a um grupo da Fundação Abraghs. Tem uma outra empresa que patrocina outro grupo, os alunos pagam apenas uma taxa. Esses grupos são atendidos também com transporte.


Existe algum projeto para os alunos participarem em atividades fora da Associação ?

Fazemos visitas a museus, teatro, duas vezes por semestre. E existe uma atividade chamada Arte no Muro, que este ano vai acontecer aqui nas proximidades, ainda neste semestre. E há a exposição de fim de ano, além de oficinas. Já atendemos a aproximadamente 700 pessoas.

Vocês seguem algum método para ensinar os conceitos de Arte?

É dificil definir o q é Arte... Mas os alunos têm aulas de História da Arte, aprendem as técnicas. Cada um tira suas conclusões. Existe um trabalho, uma evolução, um processo que é conduzido e os professores vão avaliando. Todos os nossos professores são artistas plásticos. O Alfonso Ballestero, o Arnaldo Bataglini... Alguns alunos têm um desenvolvimento incrível.


O atendimento é individual?

Em geral, o aluno chega com uma idéia do que ele quer fazer. Se não souber, vai experimentando técnicas e depois escolhe um caminho. Depois de algum tempo, ele define seu estilo e o desenvolve, sem deixar de ter contato com outros estilos...


Quais os profissionais que contribuem para o trabalho?

Eu sou pedagoga, o Rodrigo administra. Temos um administrador, empresários, os médicos do Rodrigo, amigos da família e um Conselho, que hoje felizmente é muito participativo. Pessoas ligadas à arte. Também temos professores da FGV e publicitários. Todos são voluntários.



Quais os projetos realizados pela ARM?

Quando começamos, tínhamos vários cursos: bijuteria, artesanato... Tinha teatro, que eu acho fascinante. Mas depois vimos que, para manter a qualidade, precisávamos reduzir o leque. Não tínhamos recursos. Ainda hoje, não temos auxilio do governo, nada. A gente não tem tempo para ir atrás, não temos gente para nos ajudar nesse sentido. Agora estamos tentando obter o título de instituição de utilidade pública.



Vocês conseguiram algum beneficio com a Lei Rouanet?

Sim, tivemos alguns projetos aprovados pela Lei Rouanet.


Como funcionam as parcerias com empresas?

A parceria com a Tilibra, fabricante de cadernos, foi nosso primeiro projeto. Na época, o Rodrigo estava na GV, ele mesmo foi atrás dos donos da empresa. Foi até Bauru, propôs a idéia, um dos diretores gostou... Foi muito legal. Há vários anos nós fornecemos as imagens para as capas dos cadernos da Tilibra, e eles nos pagam 7% do total das vendas. Do que recebemos, 20% vai para o aluno que pintou a obra escolhida.

Cada parceria é diferente. Nós temos um projeto com a Fundação Abadhs, que é de uma família que perdeu a filha, acho que foi um aneurisma. Eles resolveram montar uma instituição para apoiar projetos já existentes. Surgiu o calendário, é legal porque cada instituição tem seus relacionamentos, eles fizeram a base e nós o miolo. O Rodrigo está trabalhando muito com o uso da imagem. A Bauducco fez, no ano passado, cartões de Natal nas caixas de biscoitos. Foi um sucesso, é um projeto que está sendo repetido este ano. Essas parcerias são boas para as empresas, porque dá a elas uma imagem de empresa cidadã, mas não é um patrocínio, é um negócio lucrativo para as duas partes. Nós queremos novas instituições parceiras.


Essa questão de gerar renda é muito importante...

É muito importante, sim, porque gera renda também para o aluno. Nossos alunos são carentes, todos eles. Mas o nosso foco não é gerar renda para os alunos, não prometemos isso. Mesmo porque as obras são escolhidas pelas empresas, nós não interferimos. Nosso foco é no curso em si, que gera um beneficio enorme, uma outra visão de vida, com participação do aluno em uma grande exposição no fim do ano. Este ano vai ser no Sesc Pinheiros. A Associação banca o evento. Recebemos alguma ajuda, mas nunca um patrocínio integral. Hoje temos 100, 170 obras por exposição. Nunca vendemos todas... Só aconteceu isso com a do Rodrigo (risos).



O Rodrigo ter cursado Administração de Empresas ajudou a Associação?

Para ter esse formato, sim. Eu passava muito a minha experiência como educadora em escola da rede pública. E o Rodrigo trouxe essa visão administrativa, que é super importante para a imagem da organização. Eu fiz um curso de capacitação de 2 anos, para entender essa linguagem, porque para mim era complicado. Eu não sabia como captar recursos. A idéia do Rodrigo é de que a Associação chegue a ser auto-sustentável, não sei quando, mas a gente busca isso.


A participação das empresas aumentou?

Aumentou muito com relação a produtos, tem empresa que vêm nos procurar para desenvolvermos um produto. Para a Bauducco, fizemos o cartão por que a empresa teve a idéia. Temos as xícaras, a Hope Cup, o prato das artes...


Quem elabora os produtos?

Temos a Tatiana, que trabalha conosco, e o Rodrigo também trabalha bastante nisso.


Vocês oferecem os projetos ou as empresas os procuram?

Às vezes a gente oferece. A empresa em que o Rodrigo trabalha, a Accenture, tem muitos empresários, e quando fazem reuniões com o Rodrigo, eles vêem o que existe de possibilidade, às vezes se efetiva ou não.



A ARM já ganhou prêmios?

Ah, temos vários prêmios. O Rodrigo já ganhou o de Cidadania Mundial, agora ganhou o iBest de marketing na categoria Responsabilidade Social, ganhou o prêmio FENEAD... Um de qualidade total... Ganhou um prêmio da Hebraica... Nossa, tem muitos prêmios...



Qual a maior dificuldade?

Não sei dizer qual, mas força de vontade e otimismo realmente nunca nos faltaram. Tivemos a sorte de ter o filho que temos. Ele sempre foi muito corajoso e positivo. Acho da máxima importância acreditar. Se você não acredita, isso é o grande dificultador.