segunda-feira, 11 de julho de 2011

SOBRE GLAMOUR, CHARME E QUEJANDOS

Os sinônimos que o Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Hollanda nos dá para charme são modestos: atração, encanto, sedução, simpatia. Convenhamos: nada disso tem as conotações... charmosas... que charme tem. Será que não temos palavra para isso na nossa língua? Ah, sim. Conotações glamurosas (para usar a grafia que aparece no Aurélio. Eu esceveria glamourosas.).

 Mas glâmur (usando a grafia do Aurélio: observem o circunflexo sobre o “a”) é outra palavra estrangeira. Francesa? É o que acreditam 10 entre 10 modetes. Mas não! Um pedantismo às avessas transformou glâmur em glamúr, pronunciada como se fosse, sim, francesa e rimasse com l´amour. Mas glamour é palavra inglesa. De origem escocesa.

Por que será que sua pronúncia se alterou? Ainda há poucos anos todos diziam glâmur: na Sociedade Harmonia de Tênis, em São Paulo, havia anualmente o Baile da Glamour Girl, em que uma moça era escolhida como representante dessa qualidade intraduzível em palavras da nossa língua. Nessa época, ninguém dizia “glamúr”, como dizem hoje os estilistas e os pretensos grã-finos, fazendo biquinho.

Será que não temos, mesmo, palavra nenhuma que expresse “o charme e o veneno da mulher brasileira”? Há cinquenta anos, diriam que ela tinha it. Outra palavra inglesa. Parece que não temos, mesmo, nada que substitua os estrangeirismos, pelo menos neste campo.

Impossível imaginar de onde veio esse uso de it: do inglês é que não foi. Provavelmente a pessoa que pela primeira vez usou esta expressão em português traduziiu ao pé da letra “she has it”, que significa “ela tem”. Virou “ela tem it”. Mais uma vez vamos ao Aurélio: “it. [Inglês], [gíria], substantivo masculino, magnetismo pessoal, encanto”. Este significado jamais ocorreu aos organizadores dos dicionários ingleses: it, em inglês, significa muita coisa (o verbete ocupa mais de uma página no dicionário), mas decididamente não é sinônimo de glamour. Numa construção do tipo “she has it”, o Oxford Dictionary define o uso de it como “vague object, with transitive verbs”. Vague object, “objeto vago”, é figura gramatical inexistente em português. Temos objeto direto e objeto indireto, temos sujeito oculto, mas objeto vago não temos. E, por isso mesmo, a expressão “she has it” é intraduzível.

Voltemos ao glamour. Se os escoceses antigos tivessem com relação aos estrangeirismos os mesmos pruridos que tem o deputado Rebelo, a palavra não existiria. Porque ela chegou à ilha através do... latim! Traduzindo diretamente do Webster´s Word Histories:


“Glamour - Na antigüidade clássica, os ancestrais gregos e latinos da palavra inglesa grammar eram usados não só para indicar o estudo da linguagem mas também o estudo da literatura em seu sentido mais amplo. No período medieval, o significado da palavra latina grammatica e de seus derivados foi ampliado para assumir o significado de aprendizado, de um modo geral. Já que todo aprendizado era feito numa linguagem que a população iletrada não falava nem compreendia, acreditava-se que assuntos como magia e astrologia deveriamser incluídos nesse sentido mais amplo de grammatica. Os eruditos eram vistos com uma mescla de respeito e desconfiança pelos outros homens, posição que certamente tornou mais plausível às platéias dos teatros o comportamento do Dr. Fausto, de Christopher Marlowe, e de Roger Bacon, de Robert Greene, personagens que lidavam com o demônio e dominavam a magia negra.A conexão entre gramática e magia aparece em diversas línguas e, na Escócia, por volta do século XVIII, a forma grammar foi alterada para glamer ou glamour,com o significado de feitiço ou encantamento. Ao difundir-se o uso de glamour, a palavrapassou a significar “uma atração ilusória, misteriosa e excitante, que estimula aimaginação e nos atrai pelo inconvencional, o inesperado, o exótico”. Hoje o significado é simplesmente o de “uma fascinante capacidade pessoal de atrair”.


Se os escoceses tivessem pensado em multar quem usasse palavras estrangeiras (latinas!), nós hoje nem teríamos como designar essa fascinante capacidade de atração.

Observo que mesmo nos filmes americanos a palavra glamour é freqüentemente pronunciada como se rimasse com l’amour, em geral por algum personagem caricatural, acompanhada de floreios de mão. Os próprios anglo-saxões esquecem-se de que a palavra é inglesa: ela tem cara de francesa. Enquanto charm, palavra inglesa de origem francesa, foi adotada pelos ingleses com o significado, segundo o Oxford, de “objeto que tem poder oculto de atrair amor ou admiração; quinquilharia usada como amuleto”. Como verbo transitivo, to charm significa “sujeitar a um feitiço, enfeitiçar, proteger por magia”.

Nos dicionários franceses de 40 anos atrás a palavra glamour não aparece. Nos atuais, aparece em alguns como sendo de origem inglesa. Noutros, não existe de vez. Para os sãotomés da vida, sugiro testar: http://www.cnrtl.fr/definition/charme . Deixei aqui o link para "charme". Tentem encontrar o significado de qualquer palavra francesa: maison, galette, énigmatique.  Qualquer uma. Agora, tentem encontrar o significado de "glamour".


Os franceses, portanto, pelo menos, sabem que a palavra não lhes pertence.

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